domingo, 27 de novembro de 2011

Dois

Fotografia
O velho que abraça a velha
e chora no silêncio.
A velha que ama o velho
e clama no silêncio.
O solitário que vê os velhos
e ama no silêncio.
A pequena que espera os velhos
e despreza o silêncio.
O poeta ingênuo vê
velhos, crianças e solitários
e do mundo nada espera além
de um pouco mais de silêncio.

Delírio
Farfalham as estrelas
com o vento e seu tempo,
intermitente-perpétuo.
Geme a Terra,
marca o passo o Céu
e o Mar indecide-se sobre a possibilidade de nunca mais subir
ou descer.
De onde se vislumbra o
Tudo
o
Tudo
responde com desprezo.
Pequenos
no ínfimo
infinito.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Matutino

O cheiro dela nua e
apressada
me acorda devagar,
doce
e doida,
todas as manhãs de dias
vezes azuis, outras negros,
entre um despertar e outro
dela absolutamente sempre:
cheiro mousse e cabelo molhado,
pele quente,
peito confortado.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Cidade










Cinza que te molda os picos
e nega o horizonte,
São Paulo de tantos homens-cupins,
roendo a terra de baixo para cima
e cada vez mais alto
e cada vez mais rápido
e cada vez mais longe,
até que sobre só pedra e gente engravatada implorando
por comida e
pelo amor de deus.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sonho?

Se todas as flores do mundo morressem, tanto faria. Ele caminhava no mundo feito um espectro, uma desolação, um triste fim. Amava profundamente e por isso merecia toda essa injustiça como pagamento. Era assim mesmo, pensava, há o preço que o barqueiro cobra, e a moeda de bronze tem pesos diferentes conforme a mão que a carrega. A vida é longa, e a sordidez se arrasta melosa em cada quarteirão atrás de alguém imbecil o suficiente para abraçá-la. E não soltar jamais.

Ele tinha esse pecado da dedicação, da lealdade, e tantas outras coisas que ostentava orgulhosamente no peito perfurado. De que adiantava se deus nunca existiu, e ninguém estava vendo? Ou aquele Deus que ela jurava existir, mas que era cego e paralisado feito uma estátua...

De novo, outra vez, repetido, mas agora muito pior que antes, sem dúvida. Ia sofrer muito, e nada parecia lhe garantir que esqueceria. Já estivera ali outras vezes, mas nunca tão longe de uma borda em que pudesse se agarrar. Afogamento. Areia movediça. Queda livre sem asas.

Dedica-te a ninguém, berrava, pois não há ninguém no mundo digno sequer da própria confiança, quem dirá da tua. Mas aí a via no sonho e paralisava. E voltava a ver flores, e a sentir o cheiro bom da primavera. E pensava que gostava da vida e dela, enganado de novo, e ao abrir os olhos para o escuro caminhava ainda mais uns passos antes de parar, sem mais nada de bom na própria carcaça.

“Ela vai vivendo, rolando a vida numa bola de emoções em que se sente de tudo para, no fim, não sentir mais nada.”

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Limite

Há os momentos decisivos da Vida, mesmo meu ateísmo muito pouco dado a esse tipo de elucubração admite. Você escolhe o tempo todo, sim, mas as vezes a decisão é limítrofe. Ali tudo muda, para bem ou mal, dependendo unicamente da sua vontade. A Vida te faz importante sem piedade. Torcer pela escolha da alternativa certa toma outra dimensão quando o vestibular não é precedido por qualquer tipo de estudo. Aprende-se a viver vivendo, diz o clichê.
Sou tão temerosamente obrigado a concordar com ele.

domingo, 25 de setembro de 2011

Abortado

Nestes tempos prosa
os poemas
nascem:
quando não prematuros
natimortos - 
sepultos na última página de um caderno velho.